quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O que é que os gregos fizeram por nós?

Quando se encontra textos e falas de pensadores muito mais preparados e virtuosos do que você "é", a vida ganha mais cor e mais estímulo. Vale muito a pena ler o que tem a dizer Mark Rowlands, pensador galês. O Trecho reproduzido abaixo foi retirado do livro "Tudo o que sei aprendi com a TV". Boa leitura.

Talvez nem tudo o que sei eu tenha aprendido com a TV — mas uma boa parte, sim. E não é que eu tenha o hábito de ver coisas com pretensões intelectualizadas. Na verdade, minhas pretensões estão longe de ser cerebrais; quando se trata de assistir a alguma coisa, estou mais para o povão. E, como o povão, estou sempre ouvindo os intelectuais dizerem como somos burros e estúpidos. Se pelo menos — dizem eles — pudéssemos ser como os gregos... Não como os gregos de hoje, é claro, que são tão ignorantes quanto nós; mas os gregos antigos.

Eles eram muito mais cultos que nós. Passavam o tempo na praça do mercado — a agora —, discutindo as grandes questões da vida, do universo, e tudo o mais. Nós ficamos dentro de casa, nos cocando e vendo Big Brother. Mas nessa celebração dos antigos e reprovação dos modernos, parece que se esquecem de uma coisa importante. Por que é que os gregos tinham que ir para a praça do mercado e falar de filosofia o tempo todo? A resposta é óbvia: porque eles não tinham TV! Nós não precisamos mais ir até a praça do mercado para filosofar. A TV faz isso por nós, no conforto de nossas próprias casas. A filosofia não morreu em nossa moderna cultura aculturada; foi apenas realocada.

Não pense que isso não tem a ver com você — somos todos filósofos, tendo ou não consciência disso, tendo ou não folheado um livro de filosofia. A filosofia está em toda parte; está em nossa cultura. Salta dos filmes a que assistimos, das revistas e jornais que lemos. E o mais importante, pelo menos em relação a este livro, dos programas de TV que acompanhamos fielmente durante anos. Por causa disso, a filosofia está em nós. Todos nós somos autores, co-autores, produtores, diretores, atores e atores convidados de muitas questões, problemas, debates, combinações e confusões filosóficas — apesar de não termos idéia do que está se passando na maior parte do tempo.

Ser filósofo é fácil, e não temos muita escolha, de qualquer forma. Se você vive a vida e já pensou nela alguma vez, você é um filósofo. Ser um bom filósofo... bem, isso já é uma coisa completamente diferente.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Filósofos cidadãos: ensinando justiça no Brasil


Filósofos cidadãos
Ensinando justiça no Brasil
Retirado do Boston Review.

Carlos Fraenkel
Tradução de Raphael Douglas 


Sair da caverna e ver as coisas como elas realmente são: isso é o que é a filosofia segundo Almira Ribeiro. Ribeiro ensina filosofia numa escola em Itapuã, um lindo, pobre e violento bairro da periferia de Salvador, capital do estado da Bahia no nordeste do Brasil. Ela é a pessoa mais filosófica que eu já conheci.
 Mais de quatro milhões de escravos trazidos da África ao Brasil foram vendidos em Salvador, a primeira residência dos governantes coloniais portugueses. É ainda a cidade mais negra do Brasil. No bairro de Ribeiro, crianças jogam bola ou fazem capoeira, rezam em igrejas pentecostais ou adoram deuses africanos. Muitos estão envolvidos com drogas, “todo ano perdemos estudantes para o crack,” ela me disse. E eles estudam filosofia duas horas por semana dado que uma lei de 2008 decretou que escolas no Brasil devem ter instrução filosófica. Nove milhões de jovens têm agora aulas de filosofia durante três anos.
 “Mas ver as coisas como ela realmente são não é o suficiente”, insiste Ribeiro. Como na parábola de Platão na República, os estudantes devem voltar da caverna e aplicar o que aprenderam. Suas vidas lhes oferecem ricas oportunidades para esse tipo de aplicação. O contraste entre os novos hotéis de luxo ao longo da praia e das ruas engarrafadas de Itapuã, faz surgir questões sobre igualdade e justiça. Crianças chutando uma lata podem introduzir uma discussão sobre democracia: o futebol é uma das poucas práticas realmente democráticas por aqui; o sucesso depende do mérito e não do privilégio de classe. Movendo-se entre filosofia e prática, os estudantes podem rever suas visões à luz de Platão, Hobbes, ou ao que Locke tinha a dizer acerca da igualdade, justiça e democracia e discutirem, eles mesmos, seus papéis como agentes políticos.
Para promover essa discussão, Ribeiro tem que tomar um profundo derrotismo político. Votar no Brasil é obrigatório, mas muitos pensam que é inútil. Em 2010, a maioria dos votos para um único membro do congresso foi para Tiririca, um palhaço popular que sustentava o slogan, “eu não sei o que um deputado faz, mas vote em mim e eu te digo”. João Belmiro, outro professor de filosofia, acha isso escandaloso. A filosofia, segundo sua visão, trará mudanças em breve.
“Existem outras formas de participação política”, diz ribeiro aos seus alunos. Ela lhes dá o número de telefone da prefeitura para que reclamem acerca de infra-estrutura e lhes pede para encontrarem algo nas suas ruas que querem consertar. Quando um estudante liga, nada acontece. Mas quando quinze o fazem, a cidade reage. “Você vê aquele buraco?”, ela me pergunta. “Foi fechado. E a iluminação da rua? Foi posta. Graças a nossas aulas de filosofia... Os políticos não podem deixar descontentes os cidadãos que votarão neles numa próxima eleição.” Na mesma intenção, ela está neste momento organizando uma associação de professores de filosofia. Uma questão urgente é encontrar pessoal qualificado. Outro projeto é melhorar a relação com o departamento de filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o centro acadêmico da região. A maioria dos professores que conheço se queixam de que os filósofos acadêmicos ou os ignoram ou os olham por cima.
Isso não é uma surpresa considerando que a lei de 2008 é, acima de tudo, um projeto político. Em 1971 a ditadura militar que governou o Brasil de 1964 até 1985 eliminou a filosofia das escolas. Professores de escolas, catedráticos dos departamentos de educação e ativistas políticos defenderam seu retorno, enquanto a maioria dos filósofos acadêmicos era indiferente ou suspeita. A ditadura parece ter compreendido o potencial da filosofia para criar cidadãos engajados; isso substituiu a filosofia por um curso sobre Educação Moral e Cívica e outro sobre Organização Social e Política do Brasil (“para inculcar boas maneiras e valores patrióticos e para justificar a ordem política dos generais”, um colega da UFBA relembra seus tempos de colégio).
A justificativa oficial para a lei de 2008 é que a filosofia "é necessária para o exercício da cidadania." A lei – a maior tentativa do mundo de trazer a filosofia para esfera pública – representa, portanto, um experimento democrático. Pelo menos entre os professores, muitos compartilham da visão de Ribeiro de que a filosofia vai fornecer um caminho para uma maior participação cívica e da igualdade. Pode-se fazer ainda mais? Pode-se ensinar os alunos a questionar e desafiar os fundamentos da própria sociedade?
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Para ler o texto completo em inglês, clique aqui.